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entry Dec 13 2019, 08:50 PM
Eleição britânica avança o brexit e anuncia fim de uma era de comércio global

* por Peter S. Goodman | The New York Times | Londres

Durante mais de sete décadas, as potências globais operaram sobre a suposição de que uma maior integração econômica significa progresso histórico. Mas essa era acabou, como os eleitores britânicos deixaram claro.

A maioria decisiva garantida pelo primeiro-ministro Boris Johnson e seu Partido Conservador praticamente garante que o país prosseguirá com a saída da União Europeia.

Outra fase complexa do emaranhado processo de divórcio está à frente —as negociações sobre os termos do futuro relacionamento econômico do Reino Unido com o continente. De uma forma ou de outra, "terminar o brexit", o mantra que Johnson prometeu e agora pode entregar, marca uma mudança profunda no sistema de comércio mundial.

Após a Segunda Guerra Mundial, os Aliados vitoriosos forjaram uma ordem internacional baseada no entendimento de que, quando os países trocam mercadorias, eles se tornam menos inclinados a negociar salvas de artilharia.

A saída do Reino Unido da Europa é a manifestação mais clara de que esse princípio não tem mais influência decisiva. No entanto, está longe de ser o único sinal de que o sistema comercial mundial está evoluindo para uma situação em que os interesses nacionais têm primazia sobre as preocupações coletivas.

Os Estados Unidos e a China estão travados em uma guerra comercial que aumenta as preocupações sobre uma desaceleração econômica global.

As tensões pareceram diminuir na quinta-feira (12), quando os Estados Unidos teriam estabelecido os contornos de um acordo que poderia reduzir significativamente as tarifas sobre US$ 360 bilhões em produtos chineses, em troca da promessa da China de comprar produtos de agricultores americanos. Esperava-se que o acordo interrompesse as tarifas americanas programadas para atingir outros US$ 160 bilhões em importações chinesas neste fim de semana.

Mesmo que tal acordo se concretize, porém, os EUA e a China entraram em um estado tão animoso que provavelmente continuarão buscando alternativas à troca de bens e investimentos. As empresas que fabricam produtos na China sofrerão pressão para explorar outros países, causando perturbações na cadeia de suprimentos global.

O árbitro tradicional de disputas comerciais internacionais, a Organização Mundial do Comércio (OMC), está se aproximando da irrelevância à medida que os países ignoram seus canais para impor tarifas.

"A sensação de que as políticas se movem na direção de mais liberalização e mais integração foi substituída pelo reconhecimento de que as políticas podem ir tanto para trás quanto para a frente", disse Brad Setser, membro sênior do Conselho de Relações Exteriores de Nova York.

O desgaste dos acordos comerciais internacionais foi motivado pela intensificação da raiva do público em muitos países pela crescente desigualdade econômica e a percepção de que o comércio tem sido muito benéfico para a classe executiva, deixando as pessoas comuns para trás.

No Reino Unido, as comunidades de baixa renda usaram o referendo de junho de 2016, que desencadeou o brexit, como um voto de protesto contra os banqueiros de Londres, que haviam engendrado uma crise financeira catastrófica e depois forçaram as pessoas comuns a absorver os custos com uma dura austeridade fiscal.

Nos EUA, a base política do presidente Donald Trump aderiu à sua guerra comercial, inclinada a vê-la como um corretivo necessário para a destruição da economia industrial pelas fábricas chinesas.

Da Itália à França e à Alemanha, movimentos populares furiosos se fixaram no comércio como uma ameaça aos meios de subsistência dos trabalhadores, ao mesmo tempo em que adotavam respostas nacionalistas e nativistas que prometem conter a globalização.

"A era dos mercados livres e do liberalismo está terminando", disse Meredith Crowley, especialista em comércio internacional na Universidade de Cambridge, na Inglaterra. "As pessoas estão insatisfeitas com a complexidade das políticas e com esse sentimento de que os que detêm as alavancas da política estão de alguma forma fora de seu alcance."

Os economistas veem perigos nesta era que se desdobra, como empecilhos ao comércio, à medida que os governos defendem as indústrias nacionais às custas da concorrência. Eles apontam para a história de presságios —especialmente a Grande Depressão, que foi aprofundada por uma onda de protecionismo comercial retaliatório iniciada pelos EUA com a Lei Tarifária Smoot-Hawley de 1930.

A lei aumentou drasticamente as tarifas de uma vasta gama de produtos agrícolas e industriais, levando os parceiros comerciais dos EUA a responder na mesma moeda. À medida que o comércio mundial se desintegrou, a fúria nacionalista se espalhou, culminando nas brutalidades da Segunda Guerra Mundial.

As eleições britânicas e a fragmentação do bloco comercial europeu representam o surto mais importante de nacionalismo econômico em gerações.

"Desde Smoot-Hawley, não acho que tenhamos visto algo tão dramático quanto isto", disse Swati Dhingra, economista da London School of Economics.

Enquanto a ruptura na Europa se desenrola, as duas maiores economias do mundo —Estados Unidos e China— permanecem enredadas em conflito.

O governo Trump começou a impor tarifas em resposta ao que retrata como um esforço chinês de décadas para destruir os empregos americanos subsidiando as principais indústrias. Mas entre a linha dura a guerra comercial é cada vez mais um meio de armar o enorme mercado americano —ameaçando o acesso da China aos consumidores americanos— para conter uma suposta ameaça estratégica e de segurança.

Os líderes chineses passaram a interpretar as hostilidades comerciais como parte de uma campanha de bullying dos EUA, projetada para suprimir suas aspirações nacionais e negar ao país seu devido lugar como superpotência.

Os sentimentos nacionalistas e as preocupações de segurança combinadas com a política comercial não contribuem para um clima propício a um acordo significativo que possa acabar de maneira abrangente com as hostilidades comerciais.

"No mínimo, as posições estão endurecendo", disse Crowley.

Em outra frente, Trump ameaçou impor tarifas sobre automóveis importados, passo que seria especialmente perturbador na Alemanha, a maior economia da Europa. A Alemanha vende muito mais bens para os EUA do que importa, provocando a ira do presidente americano.

Trump ameaçou abertamente citar uma ameaça à segurança nacional como justificativa para impor tarifas sobre automóveis. Os especialistas em comércio ridicularizaram essa abordagem como uma afronta às normas do sistema de comércio internacional.

No mês passado, Trump permitiu que um prazo definido por ele vencesse sem aplicar as tarifas sobre automóveis. Mas ele deixou uma grande indústria internacional se perguntando o que acontecerá a seguir.

O órgão de apelação da OMC, que julga disputas, tornou-se inoperante pelo bloqueio de novos juízes pelo governo Trump. O painel precisa de pelo menos três juízes para dar os veredictos, mas hoje tem apenas um.

Uma variável importante ficou mais clara: os congressistas democratas e o governo Trump elogiaram nesta semana um acordo que autoriza a renegociação do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), que permitiu a livre troca de mercadorias no valor de US$ 1,2 trilhão por ano entre EUA, Canadá e México.

Mas os resultados das eleições no Reino Unido aumentam a probabilidade de que o comércio em uma grande faixa do mundo provavelmente seja impedido.

O Reino Unido envia quase a metade de suas exportações para a União Europeia, um fluxo de mercadorias potencialmente ameaçado pelo brexit. Sua saída do mercado único europeu —que permite que o comércio ocorra sem obstáculos da Grécia para a Irlanda, como se o território fosse um vasto país— corre o risco de minar o apelo do Reino Unido como sede de empresas multinacionais.

Desde que o Reino Unido chocou o mundo com seu voto para abandonar a UE, suas instituições políticas se entrelaçaram tentando decidir o que fazer com seu nebuloso mandato para sair. As empresas adiaram contratações e investimentos, aguardando esclarecimentos sobre os futuros termos de negociação.

A incerteza já cobrou custos significativos, e muito além da Europa, de acordo com um novo artigo de Tarek Hassan, economista na Universidade de Boston, e três especialistas em contabilidade europeus, Stephan Hollander, Laurence van Lent e Ahmed Tahoun.

Todos os anos desde o referendo, uma empresa média na Irlanda —que negocia muito com o Reino Unido— vê seu crescimento em investimentos ser reduzido em 15%, e a contratação é 4,2% menor do que seria por causa da incerteza, concluiu o jornal. Mesmo no outro lado do Atlântico, a empresa americana média viu o crescimento do investimento reduzido em 0,5% ao ano e as contratações desacelerarem 1,7%.

"Já existe uma queda significativa no emprego como resultado dos riscos do brexit", disse Hassan.

Embora a eleição de quinta-feira tenha dado clareza ao brexit, permanecem variáveis substanciais. Supondo que o plano de Johnson para o brexit agora navegue pelo Parlamento, o Reino Unido deverá negociar termos comerciais com a Europa antes do término de um período de transição até o fim do próximo ano —uma tarefa monumental.

Johnson descartou prorrogar esse prazo, renovando a perspectiva de que o Reino Unido pudesse novamente flertar com a saída do bloco europeu sem um acordo. Essa ameaça poderia forçar as empresas a estocar novamente mercadorias e implementar planos de contingência complexos.

Alguns analistas sugeriram que a eleição aumentava a possibilidade de Johnson buscar uma forma mais branda de brexit que mantivesse o Reino Unido mais próximo do mercado europeu. Sua maioria é tão confortável que ele não precisa se preocupar em alienar a linha dura do partido que favorece uma separação total da Europa.

Mas alguma alteração está claramente à frente. Se a incerteza do brexit foi prejudicial, o que a substitui é a quase certeza de um crescimento econômico mais fraco e de padrões de vida reduzidos. O mandato político do Reino Unido para "retomar o controle" encerra custos.

"Isso terá implicações enormes", disse Hassan.

 
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